Inesquecível Como Uma Bela Canção
Em onze de abril de 1982, meu pai nos deixou e, para homenageá-lo nesses 31 anos de saudade, quero falar de um Waldir Calmon que poucos privilegiados conheceram. Vou, enfim, me permitir escrever sobre meu pai de forma pessoal depois de um site inteiro e de uma monografia dedicados a ele em que fiz um esforço tremendo para focar apenas na carreira do pianista.
Ele gostava da vida noturna, das conversas descontraídas após o trabalho e do astral de uma Copacabana que, entre os anos 50 e 80, nunca adormecia e por onde você circulava em segurança. Mas às seis e meia da manhã já estava de pé para nos deixar na escola. Para dizer a verdade, nunca entendi direito como ele conseguia descansar, pois praticamente não dormia – tirava apenas alguns cochilos em uma casa barulhenta onde morava com os dois filhos, três cachorros (que latiam por qualquer motivo), três passarinhos (que faziam um coro desordenado com a máquina de lavar roupa), empregada, faxineira e minha mãe (que insistia, apesar de seus inúmeros apelos, em passar a Feiticeira de cinco em cinco minutos pelo apartamento). Para quem não sabe, Feiticeira é uma espécie de vassoura, própria para carpetes, que faz um barulhinho bem irritante. E a casa era toda acarpetada. Difícil vida de um notívago...
Amável e atencioso, meu pai sempre fez questão do convívio familiar e da vida social. Estávamos com nosso avô paterno quase todos os dias e, nos fins-de-semana, mesmo com compromissos de trabalho, visitávamos nossos primos e tios. Talvez por sua infância tão sofrida, a perda da mãe ainda jovem e, mais tarde, de seu querido irmão Willman, ele fazia tanta questão de estar entre os seus. Eram muitas comemorações: além dos aniversários e casamentos de praxe, ainda inventávamos batizado de passarinho, aniversário de cachorro... Tudo era pretexto para uma boa festinha regada a muitos e deliciosos quitutes feitos por minha mãe..
Minha infância e adolescência foram marcadas pelas festas. E que festas... Minha mãe e meu pai gostavam de mesa farta e ela cozinhava como ninguém. Também fazia enfeites para festas com maestria. Aqui, preciso abrir um parêntese e dizer que o conceito de decoração de festas de aniversário e casamento, há cerca de quarenta anos, era bem diferente do que vemos hoje em dia: eram usados muitos, mas muitos, enfeites (de cartolina, papel crepom, isopor e materiais desse tipo) que podiam ser comprados em papelarias, mas não eram bonitos. Minha mãe fazia questão de confeccioná-los, um a um, com riqueza de detalhes. Ela possuía admirável habilidade manual, mas não conseguia fazer os acabamentos quando se tratava de pintura. Meu pai então chegava em casa de madrugada e desenhava as carinhas dos muitos Tios Patinhas, Donalds, Mickeys... E o fazia com muita satisfação.
Quando eu tinha uns oito anos, ele fez um caderno com seus desenhos para mim. Durante algumas noites, eu deixava o caderno A3, especialmente comprado para esse fim, na mesa da sala e, quando ele chegava de madrugada, escolhia um personagem de histórias em quadrinhos, entre os inúmeros gibis que havia lá em casa, para desenhar. Guardo até hoje esse caderno com muito carinho.
Os gibis eram um capítulo à parte. Meu pai amava essas revistinhas infantis e praticamente fomos alfabetizados lendo Disney e Maurício de Souza. Eram algumas dezenas de gibis, talvez mais. Tantos que, uma vez, decidi vender uma parte, enchi duas sacolas grandes de supermercado (daquelas antigas, de papel), e levei para a escola. Durante a aula de português, vendi tudo! Todos pararam para ler as revistinhas – inclusive a professora, que acabou comprando algumas.
A música, é claro, estava sempre presente em nossa casa e ele, com frequência, tocava o piano para exercitar os dedos que ficavam “preguiçosos” por causa da suavidade do teclado de seu Hammond B3. E com direito a pedidos: minha mãe gostava de Noturno em Eb, de Chopin, mas eu ia no popular e pedia Manhattan (Rodgers e Hart) que ele tocava divinamente. Assim, fui conhecendo as maravilhas da música erudita e popular, nacional e internacional. No caminho inverso, também o apresentei aos meus ídolos de adolescência e ele acabou se tornando fã de Earth, Wind and Fire e Donna Summer – que, segundo ele, sempre apresentava novidades interessantes. A qualidade musical e o groove do EWF o surpreenderam e me ajudaram a conseguir, na hora, o dinheiro dos ingressos para um show inesquecível que o grupo fez no Maracanãzinho, em 1980.
Meu pai vivia sempre de bom-humor e gostava de ouvir e contar anedotas. Apesar disso, irritava-se facilmente e dizia ter “o estopim curto”. E era verdade. Nada, porém, chamuscava a pessoa carinhosa e dedicada que era. Não era raro minha mãe e eu chegarmos em casa e sermos presenteadas com flores em algumas datas especiais. Sempre abria a porta do elevador, carregava sacolas ou estendia a mão para ajudar os mais velhos e as senhoras. As vizinhas do prédio em que morávamos comentavam a sua gentileza.
Dois meses antes de sua morte, perdemos uma cachorrinha. Ele sofreu muito e disse-me que gostaria de morrer antes de qualquer um de nós, pois não suportaria a dor de perder um ente querido.
Dizem que ninguém é insubstituível. Bobagem. Há pessoas que são insubstituíveis, sim. Nós só aprendemos a conviver com a falta que ela nos fazem.
Ele gostava da vida noturna, das conversas descontraídas após o trabalho e do astral de uma Copacabana que, entre os anos 50 e 80, nunca adormecia e por onde você circulava em segurança. Mas às seis e meia da manhã já estava de pé para nos deixar na escola. Para dizer a verdade, nunca entendi direito como ele conseguia descansar, pois praticamente não dormia – tirava apenas alguns cochilos em uma casa barulhenta onde morava com os dois filhos, três cachorros (que latiam por qualquer motivo), três passarinhos (que faziam um coro desordenado com a máquina de lavar roupa), empregada, faxineira e minha mãe (que insistia, apesar de seus inúmeros apelos, em passar a Feiticeira de cinco em cinco minutos pelo apartamento). Para quem não sabe, Feiticeira é uma espécie de vassoura, própria para carpetes, que faz um barulhinho bem irritante. E a casa era toda acarpetada. Difícil vida de um notívago...
Amável e atencioso, meu pai sempre fez questão do convívio familiar e da vida social. Estávamos com nosso avô paterno quase todos os dias e, nos fins-de-semana, mesmo com compromissos de trabalho, visitávamos nossos primos e tios. Talvez por sua infância tão sofrida, a perda da mãe ainda jovem e, mais tarde, de seu querido irmão Willman, ele fazia tanta questão de estar entre os seus. Eram muitas comemorações: além dos aniversários e casamentos de praxe, ainda inventávamos batizado de passarinho, aniversário de cachorro... Tudo era pretexto para uma boa festinha regada a muitos e deliciosos quitutes feitos por minha mãe..
Minha infância e adolescência foram marcadas pelas festas. E que festas... Minha mãe e meu pai gostavam de mesa farta e ela cozinhava como ninguém. Também fazia enfeites para festas com maestria. Aqui, preciso abrir um parêntese e dizer que o conceito de decoração de festas de aniversário e casamento, há cerca de quarenta anos, era bem diferente do que vemos hoje em dia: eram usados muitos, mas muitos, enfeites (de cartolina, papel crepom, isopor e materiais desse tipo) que podiam ser comprados em papelarias, mas não eram bonitos. Minha mãe fazia questão de confeccioná-los, um a um, com riqueza de detalhes. Ela possuía admirável habilidade manual, mas não conseguia fazer os acabamentos quando se tratava de pintura. Meu pai então chegava em casa de madrugada e desenhava as carinhas dos muitos Tios Patinhas, Donalds, Mickeys... E o fazia com muita satisfação.
Quando eu tinha uns oito anos, ele fez um caderno com seus desenhos para mim. Durante algumas noites, eu deixava o caderno A3, especialmente comprado para esse fim, na mesa da sala e, quando ele chegava de madrugada, escolhia um personagem de histórias em quadrinhos, entre os inúmeros gibis que havia lá em casa, para desenhar. Guardo até hoje esse caderno com muito carinho.
Os gibis eram um capítulo à parte. Meu pai amava essas revistinhas infantis e praticamente fomos alfabetizados lendo Disney e Maurício de Souza. Eram algumas dezenas de gibis, talvez mais. Tantos que, uma vez, decidi vender uma parte, enchi duas sacolas grandes de supermercado (daquelas antigas, de papel), e levei para a escola. Durante a aula de português, vendi tudo! Todos pararam para ler as revistinhas – inclusive a professora, que acabou comprando algumas.
A música, é claro, estava sempre presente em nossa casa e ele, com frequência, tocava o piano para exercitar os dedos que ficavam “preguiçosos” por causa da suavidade do teclado de seu Hammond B3. E com direito a pedidos: minha mãe gostava de Noturno em Eb, de Chopin, mas eu ia no popular e pedia Manhattan (Rodgers e Hart) que ele tocava divinamente. Assim, fui conhecendo as maravilhas da música erudita e popular, nacional e internacional. No caminho inverso, também o apresentei aos meus ídolos de adolescência e ele acabou se tornando fã de Earth, Wind and Fire e Donna Summer – que, segundo ele, sempre apresentava novidades interessantes. A qualidade musical e o groove do EWF o surpreenderam e me ajudaram a conseguir, na hora, o dinheiro dos ingressos para um show inesquecível que o grupo fez no Maracanãzinho, em 1980.
Meu pai vivia sempre de bom-humor e gostava de ouvir e contar anedotas. Apesar disso, irritava-se facilmente e dizia ter “o estopim curto”. E era verdade. Nada, porém, chamuscava a pessoa carinhosa e dedicada que era. Não era raro minha mãe e eu chegarmos em casa e sermos presenteadas com flores em algumas datas especiais. Sempre abria a porta do elevador, carregava sacolas ou estendia a mão para ajudar os mais velhos e as senhoras. As vizinhas do prédio em que morávamos comentavam a sua gentileza.
Dois meses antes de sua morte, perdemos uma cachorrinha. Ele sofreu muito e disse-me que gostaria de morrer antes de qualquer um de nós, pois não suportaria a dor de perder um ente querido.
Dizem que ninguém é insubstituível. Bobagem. Há pessoas que são insubstituíveis, sim. Nós só aprendemos a conviver com a falta que ela nos fazem.
Na foto, no sentido horário, meu pai, eu, minha mãe e minha avó materna e os desenhos são de Waldir. O primeiro video é uma participação do pianista na chanchada nacional Hoje, o Galo Sou Eu! (1958). Waldir Calmon e seu conjunto interpretam as músicas Concerto n°1 (Tchaikovsky), Polonaise (Chopin), Samba no Arpege (Waldir Calmon e Luis Bandeira) e, acompanhando a cantora Neusa Maria, Nova Ilusão (José Menezes e Luís Bittencourt). Hoje, o Galo Sou Eu! foi dirigido por Aloísio T. de Carvalho e seu elenco contava com Ronaldo Lupo, Liana Duval, Renata Fronzi, Pituca, Henriqueta Brieba, Procopinho e Luíz Gonzaga, entre outros. O segundo mostra Waldir recebendo um prêmio na TV Tupi. Como este vídeo era mudo, sonorizei com Samba no Arpege (Waldir Calmon - Luis Bandeira). Para mais informações, vídeos e amostras de áudio, por favor, visite o site.
Site oficial de Waldir Calmon
Este vídeo é da cantora Alcione, interpretando magistralmente a canção Rio Antigo (Chico Anísio e Nonato Buzar) que é uma crônica muitíssimo bem inspirada da vida na capital da República nos anos 50 e cita Waldir Calmon, entre outros grandes artistas. É um daqueles raros casos em que tudo dá certo: letra, música, arranjo e interpretação.
Mexendo nos meus lp's (vinil), deparei com alguns discos do Waldir Calmon. Também cresci ouvindo música, diz minha mãe, já falecida) que a primeira palavra que eu disse foi rádio, e não papai nem mamãe...rs. Só dormia com o rádio ligado, minha mãe desligava, eu acordava imediatamente. Felizmente, cresci no meio de música, meus pais, meus avós, sempre estavam com o rádio ligado, ou as vitrolas tocando os 78 rotações da época. Eu não tinha nem dez anos, isso foi na década de 50, eu nasci em 1950, e conheci o disco do seu pai. Eu tenho esse vinil, assim como outros que ainda compro quando os vejo em sebos e feiras. Sei que é nostálgico, mas naquele tempo se ouvia boa música, haviam belos bailes, o que atualmente não acontece. Muito emociona seu amor pelo seu pai, isso é belo e prazeroso, por isso fiz questão de escrever essas linhas pra você e parabenizá-la. Também tenho alguns blogs, de área técnica, pois sou engenheiro e o Amjol, que é o meu heterônimo, aonde escrevo poemas, poesias, mesmo sem ser poeta, falo de música, enfim, um blog variado de assuntos corriqueiros. Entrei no seu face, pedindo que me adicione, caso seja do seu agrado. Foi postar os discos que tenho do seu pai no meu blog, porque na verdade ele marcou um tempo da minha vida.Parabéns mais uma vez, fique com Deus e continue a postar fatos da vida de seu pai. Meu blog é: amjol.blogspot.com.br. Um beijo.
ResponderExcluirMuito prazer, Amjol! Muito obrigada pelas suas palavras tão gentis! E é claro que você será muito bem-vindo em meu Facebook! Um grande abraço!
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