domingo, 7 de abril de 2013

Parabéns, Tranka!

Aniversário de um dos Mais Geniais Músicos que Conheço


Abril é o mês de aniversário de uma das pessoas mais talentosas que a nossa música já conheceu. Quero fazer uma justa homenagem a este que só nós, músicos e cantores, conhecemos.

Tranka nasceu Tancredo e, ao contrário do que muitos pensam, o seu apelido não tem nenhuma relação com o nome de batismo. Ainda criança, sofreu um sério acidente em uma porteira e, a partir daí, quando lhe perguntavam o motivo de todos aqueles machucados, ele respondia “a tranca”! Muitos tempo depois, a cantora Marlene, com quem trabalhou por mais de trinta anos, sugeriu que trocasse o c pelo k para ficar, digamos, mais artístico...

Tranka nasceu em Valença, interior do estado do Rio de Janeiro, e aprendeu música com seu tio, maestro da banda da cidade, e seu primeiro instrumento foi a requinta. Aos dezenove anos, veio para a capital tentar a vida como músico. Mesmo com todas as dificuldades que uma cidade grande oferece a um rapaz do interior, conseguiu fazer ótimos contatos graças ao seu imenso talento e acabou ganhando o mundo: em 1976, fez uma turnê com o cantor caribenho-norte-americano Harry Belafonte e morou em vários países – sempre tocando e/ou ensinando música.

Em 1978, o sucesso da novela Pai Herói (TV Globo) trouxe de volta um estilo de casa noturna que há tempos estava decadente: as gafieiras. Na estória, a personagem de Glória Menezes era a feliz proprietária da gafieira Flor-de-Lis e a repercussão do folhetim foi tão grande que a Flor-de-Lis saiu da ficção e foi para o bairro de São Conrado, no Rio, sob a batuta do competentíssimo maestro Cipó. Muitas outras surgiram pelo Rio de Janeiro e um grupo de empresários, aproveitando o boom, decidiu abrir uma outra gafieira na cidade, no Leblon, bairro nobre da zona sul carioca. Tranka foi chamado para conhecer o espaço e avaliar a possibilidade de montar a nova casa dançante, com orquestra e tudo mais. Mas ele sugeriu outra coisa: ao invés de um lugar que, com o fim da novela, estaria fadado ao esquecimento, por que não fazer uma casa de espetáculos folclóricos brasileiros com muito luxo e estrutura grandiosa? E assim nasceu o Plataforma. Sim, aquele Plataforma que também tinha uma churrascaria, na parte de baixo, onde o inesquecível maestro Tom Jobim passava a maioria de suas tardes e onde Tranka o conheceu, tornando-se amigos. A concepção da casa de espetáculos foi do Tranka, com aquela imensa passarela, e todos os shows tiveram a sua assinatura. A gafieira Flor-de-Lis acabou praticamente junto com a novela e o Plataforma permaneceu por décadas no mesmo lugar...

Tranka havia conhecido um dos futuros donos do Plataforma, Alberico Campana, na noite carioca. Aliás, na noite conheceu muita gente boa: Alcione, Emílio Santiago, Djavan, Ivan Lins, Luizinho Eça, Luiz Carlos Vinhas, dentre tantos. Quase todos ainda desconhecidos, em começo de carreira. Ele morava em um famoso apartamento, no Posto Seis de Copacabana, que ficava com as portas abertas o tempo todo. Segundo o próprio, era uma “verdadeira bagunça”, mas recebia quem precisasse de um lugar para dormir. Passaram por lá Celinho Trompete, Wagner Tiso, Milton Nascimento, o guitarrista Írio de Paula e outros mais.

Nesta época, também conheceu Marlene (a maior!): ela estava procurando um grupo novo para acompanhá-la no show Te Pego Pela Palavra quando conheceu o Relax na boate Number One, em Ipanema: Eduardo Prates (piano), Toninho Costa (guitarra), Tranka (baixo), Chiquinho Brasão (bateria) e Suely, Zaida e Octávio César (vocais). Marlene ficou encantada com os modernos arranjos e contratou-os. Bem, o fim desta história todos conhecem - o show, dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, foi um enorme sucesso e é considerado um dos melhores de todos os tempos. E Tranka acabou se tornando o maestro oficial de Marlene.

Aqui, faço um aparte. Tranka começou tocando requinta, passou pelo clarinete e foi ao sax e à flauta. Daí, partiu para o baixo (que tocava quando conheceu Marlene) e, não satisfeito, foi para o violão, o teclado e para o piano (sim, há uma pequena diferença chamada “mão esquerda” que requer muito mais estudo na transição dos teclados arranjadores para o piano acústico). Com Harry Belafonte tocou guitarra; com Gonzaguinha, baixo; com Emílio Santiago, sax e flauta... E os baixistas mais consagrados dizem que poucos dominaram este instrumento como Tranka. Acredito, pois nunca conheci ninguém tão versátil e com tamanha musicalidade. As harmonias que cria são de um bom gosto extremo e poucas vezes vi alguém com tamanha capacidade para criá-las. E, quem é do ramo, sabe que harmonia musical é um assunto espinhoso... Os arranjos que escreve também são lindos e é impressionante a sua rapidez. Como se não bastasse, é capaz de reconhecer acordes sem o apoio de nenhum instrumento, só pelo ouvido. Quando presenciei isto, na primeira vez, pensei que estivesse brincando conosco. Estávamos com alguns jovens franceses na ilha de Saint Martin (Caribe), onde moramos, e ele ouviu uma música e começou a escrever sua harmonia na hora, apenas com o auxílio de uma caneta e um papel. Todos nos entreolhamos, surpresos. Parecia que estávamos assistindo a um show de David Copperfield. Agora já me acostumei.

Porém, nada disto parece suficiente e Tranka ainda compõe. Pois é. Foi gravado pela primeira vez, em 1978, pela cantora Celeste em seu disco Cinco e Triste da Manhã: Ronda Tristeza (Tranka) e Sinal de Solidão (Tranka - Jenny). Mais tarde, fez uma parceria bem sucedida com Toninho Nascimento e Noca da Portela, compondo sucessos como Celular, Ilumina e Muambeiro, entre outras.

Mas não poderia acabar este post sem contar uma história muito curiosa, envolvendo meu pai, o pianista Waldir Calmon, e Tranka - um grande talento, mas desligado de tudo. Sua cabeça vive em outra dimensão e é difícil fazê-lo prestar atenção aos assuntos corriqueiros. Já meu pai era um homem extremamente rígido no que dizia respeito ao trabalho.

Pouco tempo depois de chegar à capital, meu pai o convidou para tocar sax em um baile na Tijuca, na rua Barão de Ubá. Tranka não entendeu direito, mas tem (até hoje) o péssimo hábito de não perguntar nada a ninguém e tentar resolver tudo sozinho. Como não conhecia bem a cidade, confundiu Barão de Ubá com Bangu e seguiu rumo à zona norte. Para quem não conhece, os bairros Tijuca e Bangu são muito, mas muito distantes um do outro. Para piorar, chovia. Chovia como se o mundo fosse acabar e Tranka pegou o ônibus, com seu instrumento, para Bangu. Quando chegou em Bangu, viu o erro e, lembrando-se do nome correto da rua, finalmente pediu uma informação. Pegou outro ônibus, debaixo do temporal, e seguiu para a Tijuca. Depois deste nada agradável passeio turístico pelo Rio, conseguiu chegar ao clube, encharcado e já na metade do baile. Pensou que poderia chegar discretamente, montar o seu instrumento e “atacar” como se nada houvesse acontecido. Mas, na hora de montar o sax, percebeu que havia esquecido a boquilha e falou a um músico - discretamente e na esperança de não chamar a atenção de Waldir Calmon - que iria buscar em casa, rapidinho, a peça que faltava. Concluindo a história: meu pai, na mesma hora, mandou pagar-lhe o cachê com a condição de que fosse embora naquele momento e nunca mais voltasse. E assim aconteceu. Depois, tornaram-se amigos e ficavam conversando pelas madrugadas naqueles infindáveis papos de músicos quando saíam de seus trabalhos e acabavam todos se encontrando. Chegaram a trabalhar juntos uma única vez, no extinto Canecão (Botafogo, RJ), onde Waldir Calmon tocava todas as noites, antes e depois dos shows. Tranka, que nesta época já havia trocado o sax pelo baixo, substituiu um dos músicos da banda e, segundo ele, foi um sucesso.

Tranka, espero que faça muitos outros aniversários, pois a música precisa de pessoas transbordantes de talento como você! Parabéns pela pessoa e pelo músico que você é!

Abaixo, um vídeo com a dupla Marcia Calmon & Tranka, interpretando Pedacinhos do Céu, de Waldir Azevedo. Há mais vídeos nossos no YouTube: Canal de Marcia Calmon no YouTube


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Emílio Santiago

Alguém Como Tu

Emílio Santiago

O jornalista Xexéo definiu, com muita propriedade, a morte de Emílio Santiago. Em seu texto, disse que “a música brasileira ficou menos elegante.” E ficou mesmo. Emílio era gentil no trato pessoal, um profissional sério e o melhor intérprete de sua geração. Tornou-se uma referência para os cantores da noite e ter a “voz parecida com a do Emílio Santiago” era um elogio. Todos forçavam os graves para timbrar como os dele, claros e afinados. Sua voz potente e aveludada tinha o destaque de seu perfeito groove (também conhecido como suingue, balanço, divisão, ritmo...), interpretação sem exageros e boa extensão. Ele possuía todas as ferramentas para tornar-se um grande intérprete. E tornou-se.

Meu marido, Tranka, e o então crooner Emílio trabalharam juntos na extinta boate 706, no Leblon (Rio de Janeiro), no início da década de 70. Nos anos 80, já consagrado, Emílio o convidou para tocar sax e flauta em uma temporada de shows. O tempo de convivência fez nascer um carinho mútuo que sempre se manifestava quando se encontravam. Um carinho extensivo a todos que compartilhavam o palco com ele. Creio que todos os músicos devem estar sentindo profundamente a perda de um artista tão cordial, amigo e correto. Um ser humano elegante.
Ouça: Emílio Santiago - Alguém Como Tu




Trecho histórico (primeira parte) do programa Flávio Cavalcanti, exibido pela TV Rio, em 1973, nas noites de domingo. O vídeo mostra um quadro do programa que se chamava Isso Deu Samba? no qual se apresentavam dois compositores que recebiam o desafio de compor, em poucos minutos, um samba sobre um tema que lhes era apresentado na hora. Aqui temos a participação de dois monstros da música brasileira: Adelino Moreira e Lupcínio Rodrigues. Nesta gravação histórica, Emílio Santiago ainda não era famoso e aparece interpretando o samba de Lupcínio.