A Pequena Mais Que Notável
Como primeiro post de meu blog, queria um artigo que representasse o meu trabalho como cantora e toda uma vida dedicada à música popular desde a infância. Concluí então de que a síntese disso tudo seria Carmen Miranda. Quem melhor do que ela para representar a cantora popular brasileira? Ela, que praticamente criou o estilo abrasileirado de cantar, com todo o seu swing? Ela, a mãe de todas nós, cantoras? Por coincidência, Carmen faria 102 anos no próximo dia nove de fevereiro e eu não poderia deixar passar essa data em branco. Nunca esqueci o dia em que Carmen nasceu, porque outra figura feminina muito importante para mim, minha avó materna, também fazia aniversário nessa mesma data. Ambas eram inteligentes, versáteis e à frente de seu tempo. E ambas deixaram muita saudade.
Carmen nasceu Maria do Carmo Miranda da Cunha. Seu apelido, Carmen, foi inspirado na ópera homônima de Bizet – que ela adorava. Tal qual a cigana protagonista, Carmen Miranda seduziu com sua irreverência e sensualidade, namorou muito e teve a sua tragédia pessoal, tornando-se dependente de remédios, fisicamente esgotada pelo excesso de trabalho e sofrendo com um marido por vezes, segundo historiadores, violento. Morreu prematuramente aos 46 anos.
A carreira de Carmen nasceu junto com o rádio comercial e foi por ele beneficiada: a partir do início dos anos 30, o rádio começou a se profissionalizar cada vez mais e tornou-se um meio poderoso de divulgação do trabalho de artistas. Mas Carmen não era uma artista de rádio apenas. Ela era palco e tinha uma inteligência extraordinária. Mesmo no começo do século XX, já conseguia entender a importância da linguagem visual para um cantor, desenhando e costurando suas roupas coloridas e, como tinha pouco mais de um metro e meio, criou os famosos sapatos plataforma altíssimos e turbantes enormes, que ela mesmo confeccionava, para deixar-lhe mais vistosa em cena, montando uma personagem em que esses acessórios pudessem se encaixar com harmonia. Aos balangandãs, acrescentou uma dança diferente em que mexia os quadris e os braços. Carmen, sem querer, inventou a popstar com seus figurinos extravagantes, dança e sua incrível presença cênica. Guardando as devidas proporções, seria a Madonna dos anos 30 e 40: cantava, dançava, era irreverente, teve grande projeção internacional e se dedicou ao cinema. Mas a carreira cinematográfica de Carmen foi muito mais interessante e prolífera do que a de Madonna. E, cá entre nós, sou muito mais a Carmen.
Também era determinada e compreendeu que, sozinha, não poderia realizar nos EUA o mesmo tipo de trabalho que fazia em terras brasileiras, exigindo que seu grupo, o Bando da Lua, viajasse com ela. Carmen temia que os músicos americanos não conseguissem tocar com a mesma cadência dos brasileiros. Diante da resistência do contratante norte-americano, conseguiu que o governo de Getúlio Vargas pagasse uma parte das passagens. O restante, ela mesma pagou do próprio bolso.
De certa forma, a personagem criada por Carmen eclipsou a cantora: ela é muito mais lembrada pela exuberância de suas roupas e de sua dança do que por seu inacreditável talento vocal. Seu fraseado era ágil, rítmico, sinuoso e repleto de notas curtas que em muito lembrava as melodias dos chorinhos. O domínio que possuía sobre o a divisão rítmica era espantoso e, até hoje, poucas vezes ouvi uma cantora com essa musicalidade, brasileira ou não. Carmen nasceu em uma família pobre e foi criada na Lapa, centro do Rio de Janeiro, junto com toda a malandragem carioca – a malandragem romântica, bem diferente daquela de hoje em dia, má, violenta... Deve ter visto e ouvido muito e afirmava que havia aprendido a requebrar com as negras dos morros. Também deve tê-los ouvido cantar e tocar à exaustão e, quem sabe?, presenciado algumas rodas de choro. Teria Ademilde Fonseca se inspirado em Carmen Miranda? Bebido naquela fonte? Estive com Ademilde umas duas vezes, mas nunca me senti à vontade para perguntar-lhe. Não por ela ser distante, fria. Muito pelo contrário, é gentil e atenciosa, mas não tive a oportunidade.
Surpreendentemente, Carmen dizia que desafinava. Nunca compreendi a razão pela qual afirmava isso, pois, em nenhum dos muitos registros em que a ouvi cantar, percebi uma nota desafinada sequer. Cantores podem ser levados a desafinar por vários motivos: cansaço físico, má colocação da voz, respiração inadequada, nervosismo (que altera a respiração), quando não se ouvem... Talvez Carmen eventualmente desafinasse uma nota ou outra por dançar demais, ficando sem fôlego e prejudicando a sua respiração. Mas ela era muito talentosa e esta é a diferença entre bons e maus cantores: o bom sente quando, por algum motivo, desafina. O seu apurado ouvido acusa imediatamente.
Dizem que Carmen sempre representava o mesmo tipo de personagem no cinema e nunca teve um bom papel. Bobagem. A maior e melhor personagem interpretada por Maria do Carmo foi Carmen Miranda, com sua alegria, musicalidade, badulaques e trejeitos, em sua interpretação da nossa rica brasilidade. Em meu nome e em nome de todas as cantoras brasileiras, gostaria de dizer "muito obrigada, Carmen." Do fundo de nossos corações musicais!
Carmen nasceu Maria do Carmo Miranda da Cunha. Seu apelido, Carmen, foi inspirado na ópera homônima de Bizet – que ela adorava. Tal qual a cigana protagonista, Carmen Miranda seduziu com sua irreverência e sensualidade, namorou muito e teve a sua tragédia pessoal, tornando-se dependente de remédios, fisicamente esgotada pelo excesso de trabalho e sofrendo com um marido por vezes, segundo historiadores, violento. Morreu prematuramente aos 46 anos.
A carreira de Carmen nasceu junto com o rádio comercial e foi por ele beneficiada: a partir do início dos anos 30, o rádio começou a se profissionalizar cada vez mais e tornou-se um meio poderoso de divulgação do trabalho de artistas. Mas Carmen não era uma artista de rádio apenas. Ela era palco e tinha uma inteligência extraordinária. Mesmo no começo do século XX, já conseguia entender a importância da linguagem visual para um cantor, desenhando e costurando suas roupas coloridas e, como tinha pouco mais de um metro e meio, criou os famosos sapatos plataforma altíssimos e turbantes enormes, que ela mesmo confeccionava, para deixar-lhe mais vistosa em cena, montando uma personagem em que esses acessórios pudessem se encaixar com harmonia. Aos balangandãs, acrescentou uma dança diferente em que mexia os quadris e os braços. Carmen, sem querer, inventou a popstar com seus figurinos extravagantes, dança e sua incrível presença cênica. Guardando as devidas proporções, seria a Madonna dos anos 30 e 40: cantava, dançava, era irreverente, teve grande projeção internacional e se dedicou ao cinema. Mas a carreira cinematográfica de Carmen foi muito mais interessante e prolífera do que a de Madonna. E, cá entre nós, sou muito mais a Carmen.
Também era determinada e compreendeu que, sozinha, não poderia realizar nos EUA o mesmo tipo de trabalho que fazia em terras brasileiras, exigindo que seu grupo, o Bando da Lua, viajasse com ela. Carmen temia que os músicos americanos não conseguissem tocar com a mesma cadência dos brasileiros. Diante da resistência do contratante norte-americano, conseguiu que o governo de Getúlio Vargas pagasse uma parte das passagens. O restante, ela mesma pagou do próprio bolso.
De certa forma, a personagem criada por Carmen eclipsou a cantora: ela é muito mais lembrada pela exuberância de suas roupas e de sua dança do que por seu inacreditável talento vocal. Seu fraseado era ágil, rítmico, sinuoso e repleto de notas curtas que em muito lembrava as melodias dos chorinhos. O domínio que possuía sobre o a divisão rítmica era espantoso e, até hoje, poucas vezes ouvi uma cantora com essa musicalidade, brasileira ou não. Carmen nasceu em uma família pobre e foi criada na Lapa, centro do Rio de Janeiro, junto com toda a malandragem carioca – a malandragem romântica, bem diferente daquela de hoje em dia, má, violenta... Deve ter visto e ouvido muito e afirmava que havia aprendido a requebrar com as negras dos morros. Também deve tê-los ouvido cantar e tocar à exaustão e, quem sabe?, presenciado algumas rodas de choro. Teria Ademilde Fonseca se inspirado em Carmen Miranda? Bebido naquela fonte? Estive com Ademilde umas duas vezes, mas nunca me senti à vontade para perguntar-lhe. Não por ela ser distante, fria. Muito pelo contrário, é gentil e atenciosa, mas não tive a oportunidade.
Surpreendentemente, Carmen dizia que desafinava. Nunca compreendi a razão pela qual afirmava isso, pois, em nenhum dos muitos registros em que a ouvi cantar, percebi uma nota desafinada sequer. Cantores podem ser levados a desafinar por vários motivos: cansaço físico, má colocação da voz, respiração inadequada, nervosismo (que altera a respiração), quando não se ouvem... Talvez Carmen eventualmente desafinasse uma nota ou outra por dançar demais, ficando sem fôlego e prejudicando a sua respiração. Mas ela era muito talentosa e esta é a diferença entre bons e maus cantores: o bom sente quando, por algum motivo, desafina. O seu apurado ouvido acusa imediatamente.
Dizem que Carmen sempre representava o mesmo tipo de personagem no cinema e nunca teve um bom papel. Bobagem. A maior e melhor personagem interpretada por Maria do Carmo foi Carmen Miranda, com sua alegria, musicalidade, badulaques e trejeitos, em sua interpretação da nossa rica brasilidade. Em meu nome e em nome de todas as cantoras brasileiras, gostaria de dizer "muito obrigada, Carmen." Do fundo de nossos corações musicais!
Carmen interpretando Rebola a Bola, no filme Week-End in Havana, em 1941.
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