Natais Inesquecíveis
Nas minhas infância e adolescência, todos os
Natais foram iguais. Maravilhosamente iguais! Meu pai, minha mãe, minha querida
avó materna, meu irmão e eu nos reuníamos, conversámos bastante, assistíamos a
missa do galo (por exigência de minha vó), ceávamos, abríamos os presentes e
íamos dormir. No dia seguinte, ficávamos juntos e, à noite, levávamos minha avó
até sua casa – ela morava um pouco longe, mas valia pelo passeio! Na volta, eu
pedia para passarmos pelo Aterro do Flamengo (estamos falando do Rio de
Janeiro) a fim de ver os altos postes de iluminação que, enfeitados com
milhares de lâmpadas coloridas, se transformavam em imensas árvores de Natal!
Às vezes, alguns parentes e amigos apareciam, porém nós cinco sempre estávamos
juntos.
Naquela época, ainda não havia internet e nem
este moderno conceito de shoppings no Rio, que começou com a inauguração do Rio Sul (Botafogo, 1980), e as compras
eram feitas em lojas de rua incrivelmente cheias e no calor do verão carioca.
Minha mãe se preparava psicologicamente e levava os dois filhos para ajudar a
carregar os vários embrulhos. Mas criança sempre leva tudo na farra e lá íamos
nós, felizes, para o front!
Cada um tinha as suas tarefas e as minhas
eram embrulhar os presentes, arrumar a mesa para a ceia e montar a árvore - eu
ficava tão agitada com os preparativos que, semanas antes, já começava a
enfeitar as bolas com purpurina, cada uma de um jeito, para ficar bem
diferente e dar um brilho especial. Desmontar a árvore, depois da empolgação
das festas, já não era muito a minha praia... Mamãe e vovó, cozinheiras de mãos
cheias, faziam os quitutes. Minha avó – altiva, corajosa, forte – se chamava
Leonor, no entanto todos a conheciam pelo seu apelido de infância e dona
Bolinha gostava de repetir, orgulhosa:
– Deixem a bacalhoada e os bolinhos de
bacalhau por minha conta! Aprendi a fazer com minha sogra, portuguesa de
verdade!
E ai de quem se intrometesse em sua
cozinha... Minha mãe sempre fazia (e ainda faz) uma fantástica salada de melão
com aipo que, nos idos anos 70, tínhamos de rodar a cidade inteira para achar. Quando
o dia 24 de dezembro ia chegando, meu pai já começava a ficar estressado,
sabendo que a busca insana iria começar – e esta era a tarefa dele. Ele
reclamava, mas acabava achando o tal do aipo.
Para a sobremesa, uma saborosa torta de nozes
com tâmaras e o tradicional pavê que, é claro, sempre vinha acompanhado da
indefectível piadinha:
– É pavê
ou pa comer?
Todo ano eu esperava ansiosamente pelo Natal
que, depois da morte de meu pai, se tornou triste e sem colorido por muito
tempo. Aos poucos, as cores foram voltando, porém com outros matizes, novos
tons.
*****
Em 1994, Tranka e eu passamos nosso primeiro
Natal em Saint Martin, uma ilha no Caribe francês e da qual já falei aqui. Nós
e alguns gatos que acolhemos em nossa casa! Para recém-casados, é um desafio
passar o Natal sozinhos, longe de tudo e de todos, em outro país, outro idioma,
outra cultura... Mas foi sensacional!
Fizemos a ceia depois do trabalho e
presenteamos cada gato (e eram vários) com uma latinha de ração úmida enfeitada
com um laço rosa. Enquanto conversávamos, distraídos, um dos gatinhos pulou na
mesa, sorrateiramente, e pegou um naco de peru defumado maior do que ele.
Quando vi, o pequeno Jamelão (sim, foi uma homenagem ao cantor) estava com o
pedaço na boca, olhando para o chão e titubeante, pensando em como iria descer
de tão alto sem se machucar ou deixar cair aquela iguaria apetitosa. Ri muito,
mas ele levou uma baita bronca mesmo assim e nunca mais subiu em nossa mesa de
refeições. Tudo era novo para mim naquele momento: gatos, Saint Martin,
casamento, cantar apenas em dupla e sem uma grande banda de apoio... Foi uma
experiência mágica e muito, muito feliz!
*****
Anos depois, já de volta ao Rio de Janeiro,
fomos contratados para tocar na bela casa de uma tradicional família carioca na
noite do dia 24 de dezembro. Estavam presentes muitos adultos e crianças e o
patriarca, frequentador das famosas boates do Leme nos anos 50 e 60, apreciava
o repertório de Frank Sinatra e os standards
norte-americanos. Havia um ótimo piano de meia cauda no local e aproveitamos
para fazer um trabalho no melhor estilo das casas noturnas antigas: baixo
acústico, voz, piano, bateria e trompete - o grande Darcy Cruz, músico de
primeira e um virtuose com sopro poderoso, mas que também conseguia tirar um
som incrivelmente suave de seu instrumento. Um mestre.
A matriarca da família, muito católica, pediu
ao padre de sua igreja para rezar uma missa, antes da ceia, no pequeno altar
improvisado no salão. Durante a missa, cantei Ave-Maria, de Gounod, e algumas canções natalinas. Após o término,
todos os convidados se confraternizaram. Lembrei-me dos Natais que passava com
meu pai e minha avó materna e me emocionei, porém estava vivendo mais um lindo
Natal, com Tranka e outras pessoas maravilhosas, e que também ficaria
eternizado dentro de mim, juntinho de todas as minhas inesquecíveis lembranças –
aquelas que dão sentido à nossa existência e nos tornam um ser humano melhor.
Feliz Natal e um 2018 de muita paz para todos vocês!
No vídeo, Nat King Cole e Frank Sinatra, cantando The Christmas Song (Merry Christmas to You), de Bob Wells e Mel Tormé. Esta foi uma das canções que interpretamos em um dos Natais citados no texto. A foto que abre a postagem é minha, com 15 anos, ao lado de uma das muitas árvores de Natal que tivemos.
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