A Origem de Tudo
Postarei
os seis primeiros textos que escrevi para a minha coluna no Jornal Banda da
Banda, de Amparo, SP. A intenção era me apresentar para os(as) leitores(as) e
fazê-los(ls) entender a importância da música em minha formação como cantora e
ser humano. Espero que gostem! Um abraço!
Muito
prazer! Meu nome é Marcia. Sou cantora, compositora, formada em Jornalismo e
filha do pianista Waldir Calmon e da também cantora Marta Calmon que, solteira,
usava o nome artístico de Marta Kelly. Minha mãe deixou de cantar quando
engravidou e só voltou dezenove anos depois.
Para
quem não conheceu o trabalho de meu pai, aqui um brevíssimo resumo: nos anos
50, Waldir Calmon foi talvez o artista que mais vendeu discos no Brasil e possuía
um estilo inconfundível de tocar o piano, em oitavas. Seu repertório era
composto, em sua maioria, por músicas dançantes e ele amava fazer os casais
rodopiarem pelo salão. Quanto mais gente se levantava para dançar, mais feliz
ele ficava. Seu conjunto (ou, mais raramente, orquestra) tocou em bailes pelo
Brasil inteiro e revelou grandes músicos, como Milton Banana, Paulo Nunes,
Rubens Ohana, Fernando Barreto e Humberto Garin, entre outros. Em sua vasta
discografia, destaca-se a série Feito
Para Dançar, com 12 volumes, cujos discos possuíam um lado de músicas
corridas, sem intervalos, ideal para as festinhas em casas de família. Ele
também teve um programa de TV durante dez anos, Ritmos S. Simon, e participou de filmes nacionais. E, para vocês
entenderem os caminhos que me levaram à música, vou escrever um pouco sobre
nossa família.
Morávamos
no Rio de Janeiro, em uma rua de Copacabana bem tranquila (por mais incrível
que isto possa parecer). Nossa rua, a Cinco de Julho, era agradável, arborizada
e sempre encontrávamos alguns amigos de meus pais. Havia um que me chamava a
atenção por causa de seu cachorrinho peludo (se não me falha a memória, um poodle branco). Quase todas as tardes,
os encontrávamos. Meu pai e aquele senhor conversavam durante horas e eu
adorava, pois ficava brincando com o bichinho. Hoje em dia, sei que o dono
daquele belo cãozinho era Carlos Machado, o Rei
da Noite, produtor de suntuosos espetáculos e revistas musicais. Mas ali
estava somente um homem vestido com roupas simples, desfrutando da companhia de
seu animalzinho de estimação.
Desde
cedo, meu irmão, Marcus, e eu respiramos música! Havia instrumentos, caixas de
som e todo tipo de equipamento pelo apartamento, enlouquecendo minha mãe que,
em uma luta inglória, tentava escondê-los a todo custo. Certa vez, um daqueles
antigos microfones de estúdio, que pesava cerca de uma tonelada, caiu em cima
de meu pé e, sem exagero, quase quebrei alguns dedos. O microfone saiu ileso.
Já
bem pequena, aprendi a dividir o espaço com o imenso piano preto – quando somos
crianças, tudo parece maior – de um quarto de cauda que fazia de cabana em minhas
brincadeiras. Tínhamos uma vitrola Motorola,
também imensa, daquelas que tocavam vários discos em sequência e rodava até 78
rotações. Quando a música tocava, eu dançava e em qualquer lugar: na nossa
sala, na sala dos outros, na rua, na boate de meu pai...
A
boate Arpège ficava na rua Gustavo
Sampaio, no Leme (RJ), e meu irmão e eu, ainda crianças, só passávamos lá
durante o dia. O Leme era famoso por suas sofisticadas casas noturnas que,
junto com a Arpège, fervilhavam na
elegante noite carioca: Drinks, Sacha’s,
Fred’s, Plaza... onde talentosos músicos e cantores, como também
personalidades brasileiras e estrangeiras circulavam, ostentando seus vestidos,
ternos, joias e carrões. Meu pai compôs e gravou até uma música chamada Samba no Arpège (Waldir Calmon – Luís
Bandeira) e lançou uma série de vinis, com três volumes, intitulada Uma Noite no Arpège. O majestoso piano Steinway, que reluzia absoluto em nossa
sala, tinha sido da boate até ser trocado por um modernoso órgão elétrico Hammond: a princípio, um B2, mas meu pai não resistia a uma
tecnologia e logo o trocou por um modelo mais atual, o B3. Para dizer a
verdade, com todas aquelas teclas, pedais, botões, alavancas e luzes, o
instrumento mais me assustava do que convidava. Eu tinha sempre a impressão de
que seria abduzida por ele a qualquer momento.
Voltando
ao lar, lembro ainda de minha mãe gravando algumas músicas de Festivais da
Canção com um gravador de rolo pesadíssimo - ela colocava o microfone em frente
ao autofalante da TV e captava um som ruim, mas o suficiente para meu pai
escutar e avaliar se valia a pena ou não colocar a canção em seu repertório
dançante.
Fui
crescendo e, aos poucos, o piano deixou de ser uma cabana de brinquedo para se
tornar uma grande paixão. Aos oito anos, decidi que iria aprender a tocar.
Porém, isto não estava nos planos de meu pai que desejava me ver formada em
Medicina. Ele achava que eu era musical demais e deveria me proteger de uma
carreira tão difícil como a música. Mas como explicar isto a uma criança tão
determinada? Ele não explicou. Ele me enrolou:
- Pai, quero aprender piano!
- Não tenho tempo para ensinar, minha filha.
- Não tenho tempo para ensinar, minha filha.
- Mas a minha amiguinha tem uma professora
de piano muito legal. Ela pode me dar aulas.
- Ok, pode deixar. Eu mesmo vou lhe dar
aulas.
E
deu. UMA aula! UMA única aula! Comprei caderno de música, lápis fofo, borracha
bonitinha... e tive UMA aula. Todas as vezes que eu reclamava, meu pai dava uma
desculpa. Acabei pegando os seus livros de música e aprendendo, sozinha, os
rudimentos da teoria musical. Comecei a tocar e ele ficou bastante assustado,
porém orgulhoso. Era engraçado, pois não gostava do rumo que as coisas estavam
tomando, mas ficava todo bobo quando me via ler partituras – mesmo as mais
simples. Desenvolvi uma técnica toda própria para tocar, fazendo os acordes com
a mão direita e, com a esquerda, os baixos. Como não sobrava mão para tocar a
melodia, comecei a cantar. E sabe que formei um repertório bem razoável?
Ainda
com uns oito anos, ganhei minha rádio-vitrolinha Belair vermelha. Aí a coisa ficou séria! Ela era portátil e
funcionava com pilha também, indo comigo a qualquer lugar! Fiquei impossível.
Impossível também de suportar, pois era música o tempo todo: quando chegava da
escola, já ia para o banho, ouvindo a rádio Mundial
ou Tamoio e, depois do almoço,
começava a cantoria. Eu não aguentava só ouvir. Tinha de cantar também! E em um
idioma só meu. Meu parceiro predileto era Michael Jackson, pois sua voz
infantil parecia com a minha e eu amava suas músicas. Michael era como um irmão
mais velho – passávamos todas as tardes juntos, mas ele não implicava comigo.
Com
doze anos, eu já comprava muitas revistas sobre música e, numa delas, li que um
filme dos Beatles, Help, seria
exibido novamente. O grupo já havia se separado há alguns anos e, por alguma
razão, houve um revival. Marcus e eu
fomos ao cinema e ficamos encantados com aqueles quatro rapazes ingleses. A
partir daí, descobrimos o rock! Ouvimos e assistimos a tudo que podíamos sobre
eles. Um pouco mais tarde, enlouqueci (eu e todas as meninas do mundo) pelo
guitarrista-cantor-compositor-gatinho Peter Frampton e decidi aprender a tocar
violão como meu ídolo.
- Pai, quero aprender violão.
- Não tenho tempo para ensinar, minha filha.
- Não tenho tempo para ensinar, minha filha.
- Mas a minha amiga tem um professor de
violão muito legal. Ele pode me dar aulas.
- Ok, pode deixar. Eu mesmo vou lhe dar
aulas.
Desta
vez foi diferente: ele não deu nem uma aula sequer! Nenhuma! Comecei, mais uma
vez, a pesquisar em seus livros, entretanto não havia absolutamente nada para
violão. Passei então a comprar umas revistinhas chamadas Vigu que vinham com várias letras de músicas, os acordes em cima
das letras e a tablatura. Só me atrapalhei um pouco na mão direita, mas minha
amiga, a do professor legal, me deu umas dicas. Foi uma baita conquista quando
toquei minha primeira música no violão que, é claro, era o maior sucesso de
Frampton, Baby I Love Your Way. E,
novamente, meu pai ficou bastante assustado, porém orgulhoso. Meu violão era menor, adequado a uma menina de 12 anos, porém tinha um defeito terrível: não afinava o bordão (sexta corda) nem com reza forte e aquilo me irritava profundamente. A vantagem é que, hoje em dia, posso identificar um bordão desafinado a dez quilômetros de distância.
Aqui
faço um parêntese: mesmo meu pai se assustando com minhas "conquistas" na música, gostava de me ver
tocando e chegávamos a fazer alguns números juntos em casa, ele no piano e eu
no violão. Às vezes, trocávamos, mas não ficava tão bacana... Quando ele ia
“tirar” uma música para tocar com seu conjunto e tinha alguma dúvida na
melodia, me perguntava – afinal, eu ouvia rádio e discos o dia inteiro! Se eu
tinha dificuldade em montar algum acorde ou fazer uma divisão, ele me
explicava. Quando ele tocava o piano, eu sempre tinha as minhas preferidas e
pedia. Meu pai tinha receio de que eu optasse pela música profissionalmente,
mas não deixava de ficar feliz por me identificar tanto com ele.
No
próximo post, a segunda e última parte deste texto, falando do movimento discoteque, dos diversos estilos
musicais que coexistiam não tão pacificamente em minha casa, das gravações nos
estúdios e da única vez em que cantei com o conjunto de meu pai.
Peter Frampton, ao vivo, cantando Baby, I Love Your Way (Frampton) - a música que me motivou a aprender violão!
Peter Frampton, ao vivo, cantando Baby, I Love Your Way (Frampton) - a música que me motivou a aprender violão!
Márcia, gostei da história. Achei você através do Tranka, que tocou com Rosinha de Valença e Tânia Reis nos bailes dos anos 60, em Volta Redonda. Assim que eu puder, vou conferir a sua obra musical. Bom sucesso!
ResponderExcluirObrigada, Hekel! Um abraço!
ExcluirMarcia calmon me desculpe , mas seu pai o meu ídolo do te deu 1 aula kkkkk è nenhuma de violão kkk mas gostava de ver vc tocar ,ele tava te testando pra ver se vc dava para ser musica , E como sempre seu pai acertou , marcia vc nunca ia ser uma pianista ou uma violonista feito o Baden powell ,, gostei vc criança so ia a boate ARPEGE durante o dia ,,, MAS COMO CANTORA E COMO APRESENTADORA VC ARRASA o seu marido , fico ouvindo os arranjos dele è quase igual ao seu pai MAESTRO TRANKA DIGO A TODO MUNDO TE CURTO VC È A MARCIA SAO PERFEITOS COMO ARTISTAS ,,, UM CONSELHO DE UM FÃ , DOIDO POR WALDIR CALMON ,, NUNCA IMITE ELE OU OUTRO VC È RETADO VC È A MARCIA Ê COMO NO NORDESTE ,,,, se vc for a Juazeiro do note e não dizer valei-me Pad ciço rumão , todos vão dizer , que meu Padim perdoe este óme nao se benzeu e nem acendeu a vela !ê assim nao fique zangado e vc também marcia eu curto vcs muito ---- vcs são feito para dançar ao som do WALDIR CALMON ABRAÇOS A VCS E SAUDE
ExcluirValeu, Meira! Abraços!
ExcluirDona Márcia,gostei muito do seu relato. Achei incrível. Waldir Calmon, além dé trazer tanta diversão para minha juventude, foi um inspirador para quem gostava de música criar suas bandinhas
ResponderExcluirOi, muito prazer! Infelizmente, não sei o seu nome, mas me chame apenas de Marcia - o "dona" nos envelhece uns duzentos anos... Muito obrigada por suas palavras tão gentis! Agradeço por mim e pelo meu pai, pois tenho certeza de que ele também ficaria muito feliz em ouvi-las! Grande abraço.
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