Depois de uma vida inteira dedicada à música, decidi criar um blog com o intuito de dividir um pouco a minha experiência com todos os amantes desta arte divina. Espero que possamos discutir vários assuntos com debates interessantes. Só não garanto postagens freqüentes, pois o tempo anda escasso... Um grande abraço!
Este post
tem duas finalidades: a primeira é dizer que, a partir de agora, a música que o
maestro Tranka Oliveira compôs para seu amigo Tom Jobim, a bela (Canção) Pro Nosso Tom, está disponível
em todas as plataformas digitais e o download pode ser feito na loja Google
Play! Quem assina Deezer, Spotify, iTunes, e outros serviços de streaming de
áudio, já pode colocá-la em sua playlist!
O segundo
motivo pelo qual escrevo este post é desejar-lhes um 2019 maravilhoso, com
muita saúde e paz – tão importante nos dias de hoje! Que todos tenhamos serenidade em nossos corações a fim de tomarmos as decisões mais acertadas para nossas vidas, o país e o mundo.
Para animar o fim de ano, nossa interpretação de um
clássico do mestre Barry White: Love’s
Theme! Este projeto era um desejo pessoal
meu, com gravação do áudio e montagem de um vídeo repleto de citações a ícones da pop art dos anos 70 e a artistas que participaram, de uma forma
ou de outra, de minhas infância e adolescência. Quem me conhece sabe do que
estou falando e da importância que muitos tiveram, inclusive, em minha formação
musical.
Eu era bem criança quando Love’s Theme, em sua gravação original,
me arrebatou com suas cordas, trompas, guitarra com o "moderno"
efeito wow-wow, seu maravilhoso arranjo... E, logo depois, Barry White começou
a cantar, mantendo sempre o alto padrão
de suas gravações com grandes orquestras e um extremo bom gosto. Eu admirava o
seu trabalho instrumental, como também as músicas em que ele colocava sua
belíssima voz ou o trio vocal feminino do qual sua mulher, Glodean, fazia
parte. Mais do que uma simples gravação ou um vídeo, é uma sincera homenagem. O arranjo foi
executado integralmente pelos teclados e elaborado por mim e Tranka Oliveira.
·teclados:
Tranka Oliveira
·vocais,
mixagem e edição de vídeo: Marcia Calmon
·fotos de
Marcia Calmon e Tranka: Adonay Pereira e Sergio Murilo
Abaixo, os nossos vídeos de Love's Theme e (Canção) Pro Nosso Tom, bem como a letra da música e o link para a Google Play. Um enorme abraço em
todos vocês e um 2019 com muita música boa!
(Canção) Pro Nosso Tom (Tranka Oliveira)
Não, não chega de saudade, não
É o coração que diz pra mim
Não, não chega de saudade
Eu quero mais canções de Tom Jobim
Um coração magoado pela própria
insensatez
Um samba desafinado porque o morro não
tem vez
Lígia, Luíza, Bebel, Gabriela
A gente sabe quem é carioca só pelo
jeitinho dela
Vem flauta, vem pinho prá cantar o meu
amor
Faz falta um cantinho só pra ver o
Redentor
Tom Jobim, a saudade não vai passar
Por toda a minha vida eu sei que vou te
amar Canções de Tom Jobim, Canção pra Tom Jobim
Encerramos a temporada de nosso show Cantando em Qualquer Tempo, no maior astral, e agradeço muitíssimo
pelo sucesso! Agora vamos preparar um show novinho em folha para 2019! Quero
aproveitar também para desejar um Natal maravilhoso! Que haja mais tolerância e
compreensão de que todos estamos no mesmo barco, ou melhor, no mesmo planeta e
que nossa sobrevivência passa pelo respeito à natureza e a seus recursos que,
um dia, possibilitaram à vida brotar das águas e desenvolver suas raízes
em terra firme. Que os adultos reverenciem cada criança na face da
Terra, compreendendo que o futuro está em seus pequenos corações, puros ou
cheios de amarguras, dependendo somente do que lhes será oferecido. Um Natal
iluminado!
Abaixo, três vídeos com canções natalinas: o primeiro e o terceiro são com a fantástica banda Earth, Wind and Fire – infelizmente sem o vocalista e fundador Maurice White: The First Noel e Jingle Bell Rock (Joe Beal & Jim Boothe). Acredita-se que The First Noel seja uma canção do séc. XVII e a origem da melodia ainda é um mistério. Em 1823, William B. Sandys (1792-1874) e Davies Gilbert (1767-1839) adicionaram a letra que conhecemos hoje em dia. O segundo vídeo é de uma canção que já postei no blog, porém em outra versão: Nat King Cole e sua filha Natalie cantam lindamente The Christmas Song (Merry Christmas To You), de Robert Wells e Mel Tormé. Um Natal maravilhoso e muito musical para todos! Grande abraço!
Antes de mais nada, quero me desculpar por não estar postando regularmente e sobre outros assuntos, mas não tenho tido o tempo necessário para me dedicar a nada que não sejam ensaios e apresentações. Graças ao sucesso do último show no Beco das Garrafas, retornaremos em 25 de novembro para a terminar a temporada do "Cantando em Qualquer Tempo"! Seremos novamente Tranka Oliveira (teclado e violão) e eu em cena, com participação especialíssima de minha mãe, Marta Calmon. - local: Beco das Garrafas - endereço: rua Duvivier, 37, Copacabana, RJ - data: 25 de novembro (domingo) - horário: 18:30 h - preço único: RS 40,00 (o couvert deverá ser pago APENAS em dinheiro) - participação especial: Marta Calmon - RESERVAS: 21 98617 7293 (Whats App) - projeto: Canções para a Melhor Idade - foto: Adonay Pereira Abaixo, o teaser do show:
Quanto ao show no Centro Cultural Artur da Távola, foi maravilhoso e todo filmado em HD! Postei alguns números em meu canal no Youtube (www.youtube.com/marciacalmon), como estes que vocês podem ver abaixo. Muito obrigada e espero contar com sua presença neste encerramento de temporada. Depois, só no ano que vem! Grande abraço!
No primeiro vídeo, a abertura do show com a música Rio (Menescal e Bôscoli). O segundo vídeo traz Linha de Passe (Bosco - Blanc - Paulo Emílio), e o terceiro, Onde Anda Você (Toquinho - Vinícius) e Papel Marchê (Bosco - Capinam). Mas tem muito mais no YouTube!
Agradeço muitíssimo pelo sucesso de nosso show Cantando em
Qualquer Tempo, apresentado no Beco das Garrafas (Copacabana, RJ) em 22 de
julho de 2018! A casa estava tão lotada que, infelizmente, algumas pessoas não
puderam entrar. A energia entre nós e o público foi maravilhosa e esta é a
razão de nosso trabalho e de tanta dedicação à música – mesmo em um mercado tão
difícil como o brasileiro. Por causa da boa repercussão, vamos fazer o mesmo
show, acresecentando algumas novidades, no Centro da Música Carioca Artur da Távola, na Tijuca, RJ.
data: 26 de setembro de 2018 (quarta-feira)
local: Centro da Música Carioca Artur da Távola, na
Tijuca, RJ (rua Conde de Bonfim, 824)
horário: 16:00 h
preço: R$ 20,00 (meia) eR$ 40,00 (inteira). Cariocas e quem mora na cidade do Rio de Janeiro pagam somente meia,
apresentando identidade e uma conta de luz ou gás. A compra dos ingressos só
poderá ser feita em dinheiro.
participação especial: Marta Calmon
produção: Deyseh Lúcide Martis (projeto Canções para a Melhor Idade)
foto do poster e vídeo promocional: Adonay Pereira
Abaixo, quatro vídeos: três de smartphones do show no Beco das Garrafas e o vídeo promocional do show que acontecerá no Centro da Música Carioca Artur da Távola. No primeiro, minha mãe, Marta Calmon, e eu estamos cantando Babalu (Margarita Lecuona) - esta música foi gravada no LP Quando os Astros se Encontram (Copacabana Discos, 1958), de Waldir Calmon e Ângela Maria. No segundo, minha mãe interpreta Resposta ao Tempo (Cristóvão Bastos - Aldir Blanc) e, no terceiro, uma compilação de algumas partes do show. Um abraço e, mais uma vez, meu muito obrigada!
Marcia Calmon e Tranka Oliveira no Beco das Garrafas
Amigos, no próximo dia 22 de julho (domingo) e exatamente uma
semana após o término da Copa do Mundo, Tranka Oliveira e eu apresentaremos o show
Cantando em Qualquer Tempo!Tranka Oliveira (teclado e violão) e eu
(voz) estaremos em cena, passeando pelos vários significados da palavra tempo:
o tempo em que a genuína música brasileira começou a se delinear, o tempo em
que o Rio de Janeiro era a capital cultural do país, o tempo dos romances, os
tempos na música... O repertório inclui maxixes, chorinhos, sambas e outros
estilos bem brasileiros, mas também faz concessões às músicas francesa,
norte-americana e cubana. Minha mãe, Marta Calmon, fará uma participação
especialíssima e nós duas, é claro, faremos uma homenagem a meu saudoso pai, o
pianista Waldir Calmon!
·data: 22 de Julho de 2018 (domingo)
·local: Beco das Garrafas (rua Duvivier, 37, Copacabana, RJ)
·horário: 18:30 h
·preço único: R$ 40,00 por pessoa (couvert somente em dinheiro)
Postarei
os seis primeiros textos que escrevi para a minha coluna no Jornal Banda da
Banda, de Amparo, SP. A intenção era me apresentar para os(as) leitores(as) e
fazê-los(ls) entender a importância da música em minha formação como cantora e
ser humano. Espero que gostem! Um abraço!
Muito
prazer! Meu nome é Marcia. Sou cantora, compositora, formada em Jornalismo e
filha do pianista Waldir Calmon e da também cantora Marta Calmon que, solteira,
usava o nome artístico de Marta Kelly. Minha mãe deixou de cantar quando
engravidou e só voltou dezenove anos depois.
Para
quem não conheceu o trabalho de meu pai, aqui um brevíssimo resumo: nos anos
50, Waldir Calmon foi talvez o artista que mais vendeu discos no Brasil e possuía
um estilo inconfundível de tocar o piano, em oitavas. Seu repertório era
composto, em sua maioria, por músicas dançantes e ele amava fazer os casais
rodopiarem pelo salão. Quanto mais gente se levantava para dançar, mais feliz
ele ficava. Seu conjunto (ou, mais raramente, orquestra) tocou em bailes pelo
Brasil inteiro e revelou grandes músicos, como Milton Banana, Paulo Nunes,
Rubens Ohana, Fernando Barreto e Humberto Garin, entre outros. Em sua vasta
discografia, destaca-se a série Feito
Para Dançar, com 12 volumes, cujos discos possuíam um lado de músicas
corridas, sem intervalos, ideal para as festinhas em casas de família. Ele
também teve um programa de TV durante dez anos, Ritmos S. Simon, e participou de filmes nacionais. E, para vocês
entenderem os caminhos que me levaram à música, vou escrever um pouco sobre
nossa família.
Morávamos
no Rio de Janeiro, em uma rua de Copacabana bem tranquila (por mais incrível
que isto possa parecer). Nossa rua, a Cinco de Julho, era agradável, arborizada
e sempre encontrávamos alguns amigos de meus pais. Havia um que me chamava a
atenção por causa de seu cachorrinho peludo (se não me falha a memória, um poodle branco). Quase todas as tardes,
os encontrávamos. Meu pai e aquele senhor conversavam durante horas e eu
adorava, pois ficava brincando com o bichinho. Hoje em dia, sei que o dono
daquele belo cãozinho era Carlos Machado, o Rei
da Noite, produtor de suntuosos espetáculos e revistas musicais. Mas ali
estava somente um homem vestido com roupas simples, desfrutando da companhia de
seu animalzinho de estimação.
Desde
cedo, meu irmão, Marcus, e eu respiramos música! Havia instrumentos, caixas de
som e todo tipo de equipamento pelo apartamento, enlouquecendo minha mãe que,
em uma luta inglória, tentava escondê-los a todo custo. Certa vez, um daqueles
antigos microfones de estúdio, que pesava cerca de uma tonelada, caiu em cima
de meu pé e, sem exagero, quase quebrei alguns dedos. O microfone saiu ileso.
Já
bem pequena, aprendi a dividir o espaço com o imenso piano preto – quando somos
crianças, tudo parece maior – de um quarto de cauda que fazia de cabana em minhas
brincadeiras. Tínhamos uma vitrola Motorola,
também imensa, daquelas que tocavam vários discos em sequência e rodava até 78
rotações. Quando a música tocava, eu dançava e em qualquer lugar: na nossa
sala, na sala dos outros, na rua, na boate de meu pai...
A
boate Arpège ficava na rua Gustavo
Sampaio, no Leme (RJ), e meu irmão e eu, ainda crianças, só passávamos lá
durante o dia. O Leme era famoso por suas sofisticadas casas noturnas que,
junto com a Arpège, fervilhavam na
elegante noite carioca: Drinks, Sacha’s,
Fred’s, Plaza... onde talentosos músicos e cantores, como também
personalidades brasileiras e estrangeiras circulavam, ostentando seus vestidos,
ternos, joias e carrões. Meu pai compôs e gravou até uma música chamada Samba no Arpège (Waldir Calmon – Luís
Bandeira) e lançou uma série de vinis, com três volumes, intitulada Uma Noite no Arpège. O majestoso piano Steinway, que reluzia absoluto em nossa
sala, tinha sido da boate até ser trocado por um modernoso órgão elétrico Hammond: a princípio, um B2, mas meu pai não resistia a uma
tecnologia e logo o trocou por um modelo mais atual, o B3. Para dizer a
verdade, com todas aquelas teclas, pedais, botões, alavancas e luzes, o
instrumento mais me assustava do que convidava. Eu tinha sempre a impressão de
que seria abduzida por ele a qualquer momento.
Voltando
ao lar, lembro ainda de minha mãe gravando algumas músicas de Festivais da
Canção com um gravador de rolo pesadíssimo - ela colocava o microfone em frente
ao autofalante da TV e captava um som ruim, mas o suficiente para meu pai
escutar e avaliar se valia a pena ou não colocar a canção em seu repertório
dançante.
Fui
crescendo e, aos poucos, o piano deixou de ser uma cabana de brinquedo para se
tornar uma grande paixão. Aos oito anos, decidi que iria aprender a tocar.
Porém, isto não estava nos planos de meu pai que desejava me ver formada em
Medicina. Ele achava que eu era musical demais e deveria me proteger de uma
carreira tão difícil como a música. Mas como explicar isto a uma criança tão
determinada? Ele não explicou. Ele me enrolou:
- Pai, quero aprender piano! - Não tenho tempo para ensinar, minha
filha.
- Mas a minha amiguinha tem uma professora
de piano muito legal. Ela pode me dar aulas.
- Ok, pode deixar. Eu mesmo vou lhe dar
aulas.
E
deu. UMA aula! UMA única aula! Comprei caderno de música, lápis fofo, borracha
bonitinha... e tive UMA aula. Todas as vezes que eu reclamava, meu pai dava uma
desculpa. Acabei pegando os seus livros de música e aprendendo, sozinha, os
rudimentos da teoria musical. Comecei a tocar e ele ficou bastante assustado,
porém orgulhoso. Era engraçado, pois não gostava do rumo que as coisas estavam
tomando, mas ficava todo bobo quando me via ler partituras – mesmo as mais
simples. Desenvolvi uma técnica toda própria para tocar, fazendo os acordes com
a mão direita e, com a esquerda, os baixos. Como não sobrava mão para tocar a
melodia, comecei a cantar. E sabe que formei um repertório bem razoável?
Ainda
com uns oito anos, ganhei minha rádio-vitrolinha Belair vermelha. Aí a coisa ficou séria! Ela era portátil e
funcionava com pilha também, indo comigo a qualquer lugar! Fiquei impossível.
Impossível também de suportar, pois era música o tempo todo: quando chegava da
escola, já ia para o banho, ouvindo a rádio Mundial
ou Tamoio e, depois do almoço,
começava a cantoria. Eu não aguentava só ouvir. Tinha de cantar também! E em um
idioma só meu. Meu parceiro predileto era Michael Jackson, pois sua voz
infantil parecia com a minha e eu amava suas músicas. Michael era como um irmão
mais velho – passávamos todas as tardes juntos, mas ele não implicava comigo.
Com
doze anos, eu já comprava muitas revistas sobre música e, numa delas, li que um
filme dos Beatles, Help, seria
exibido novamente. O grupo já havia se separado há alguns anos e, por alguma
razão, houve um revival. Marcus e eu
fomos ao cinema e ficamos encantados com aqueles quatro rapazes ingleses. A
partir daí, descobrimos o rock! Ouvimos e assistimos a tudo que podíamos sobre
eles. Um pouco mais tarde, enlouqueci (eu e todas as meninas do mundo) pelo
guitarrista-cantor-compositor-gatinho Peter Frampton e decidi aprender a tocar
violão como meu ídolo.
- Pai, quero aprender violão. - Não tenho tempo para ensinar, minha
filha.
- Mas a minha amiga tem um professor de
violão muito legal. Ele pode me dar aulas.
- Ok, pode deixar. Eu mesmo vou lhe dar
aulas.
Desta
vez foi diferente: ele não deu nem uma aula sequer! Nenhuma! Comecei, mais uma
vez, a pesquisar em seus livros, entretanto não havia absolutamente nada para
violão. Passei então a comprar umas revistinhas chamadas Vigu que vinham com várias letras de músicas, os acordes em cima
das letras e a tablatura. Só me atrapalhei um pouco na mão direita, mas minha
amiga, a do professor legal, me deu umas dicas. Foi uma baita conquista quando
toquei minha primeira música no violão que, é claro, era o maior sucesso de
Frampton, Baby I Love Your Way. E,
novamente, meu pai ficou bastante assustado, porém orgulhoso. Meu violão era menor, adequado a uma menina de 12 anos, porém tinha um defeito terrível: não afinava o bordão (sexta corda) nem com reza forte e aquilo me irritava profundamente. A vantagem é que, hoje em dia, posso identificar um bordão desafinado a dez quilômetros de distância.
Aqui
faço um parêntese: mesmo meu pai se assustando com minhas "conquistas" na música, gostava de me ver
tocando e chegávamos a fazer alguns números juntos em casa, ele no piano e eu
no violão. Às vezes, trocávamos, mas não ficava tão bacana... Quando ele ia
“tirar” uma música para tocar com seu conjunto e tinha alguma dúvida na
melodia, me perguntava – afinal, eu ouvia rádio e discos o dia inteiro! Se eu
tinha dificuldade em montar algum acorde ou fazer uma divisão, ele me
explicava. Quando ele tocava o piano, eu sempre tinha as minhas preferidas e
pedia. Meu pai tinha receio de que eu optasse pela música profissionalmente,
mas não deixava de ficar feliz por me identificar tanto com ele.
No
próximo post, a segunda e última parte deste texto, falando do movimento discoteque, dos diversos estilos
musicais que coexistiam não tão pacificamente em minha casa, das gravações nos
estúdios e da única vez em que cantei com o conjunto de meu pai.
Peter Frampton, ao vivo, cantando Baby, I Love Your Way (Frampton) - a música que me motivou a aprender violão!
Com catorze anos, conheci o movimento discoteque através do filme Os Embalos de Sábado à Noite e enlouqueci! Enlouqueci também os vizinhos, porque o vinil rodava sem parar. Nesta época, eu já havia trocado minha rádio-vitrolinha Belair vermelha pela enorme Motorola com seu estéreo, (muito) alto e bom som. O disco acabava, eu recolocava do começo. Foram tantas reproduções que a agulha pesada daquele vitrolão, tal qual uma broca, danificou os sulcos irremediavelmente e os tornou inaudíveis. Quanto ao filme, assisti umas 1.254 vezes, mas este dado precisa ser atualizado.
Todo tipo de música tocava lá em casa: minha mãe adorava Roberto Carlos, orquestras e as mais antigas; meu irmão era roqueiro; eu amava a música negra da Motown, bossa-nova e MPB, e meu pai curtia tudo. Graças a meu irmão, conheço razoavelmente bem o rock dos anos 70 e 80 – eu e nossos pacientes vizinhos. Sério, eles mereciam uma medalha de honra ao mérito. Por mais incrível que pareça, nunca houve uma reclamação naquele paraíso de decibéis. E, às vezes, havia uma orgia sonora, com os rocks de meu irmão e minhas músicas dançantes se fundindo pelo ar e escapando por todas as janelas do apartamento. Ele na sala e eu no quarto. Perdão, vizinhos...
Em 1978, meu pai voltou a gravar novamente depois de um hiato de oito anos. Fiquei empolgadíssima, afinal não queria perder a oportunidade de acompanhar uma gravação desde o início.
- Pai, quero ir com você.
- Você está de férias. Não prefere ir à praia, minha filha? Vai ficar trancada em um estúdio por seis horas?
- Vou.
E fui. Eu e ele. Foi maravilhoso ver aquele disco nascer. Ele compôs algumas músicas e, claro, dei muito palpite, ajudei a colocar títulos e conheci músicos geniais. Na semana seguinte, eles iriam gravar por duas sessões seguidas a fim de concluir o trabalho.
- Pai, quero ir também.
- Ah, não! Você não vai ficar doze horas trancada em um estúdio. É muito para uma menina da sua idade.
- Vou, sim.
E não fui. Mas sob protesto. No ano seguinte, ele gravou outro disco – que viria a ser o seu último – e começou tudo de novo: seleção de repertório, arranjos, estúdio... Eu observando e ajudando quando podia - só que não estava mais de férias, infelizmente. Mas, no lançamento, eu fui!!! A gravadora, a extinta Copacabana Discos, promoveu uma tarde de autógrafos na também extinta Mesbla (nossa, acho que estou ficando velha...), na rua do Passeio (Lapa, RJ). Cheguei correndo da escola, tomei banho, almoçamos e lá fomos nós dois. Meu pai estava apreensivo, pois há muito não participava de um evento assim. Ele não comentou nada. Apenas percebi. Creio que não tinha a verdadeira dimensão da força de seu trabalho e o que significava para aquelas muitas pessoas que foram prestigiá-lo. Foi um sucesso arrebatador! Quando olhava para o seu rosto, via que estava perplexo e não esperava toda aquela receptividade. E o disco ficou muito bonito, realmente.
Depois que meu irmão e eu crescemos, passamos a acompanhar nossos pais nas noites de reveillón. Em 1981, Waldir Calmon e seu conjunto estavam se apresentando na Churrascaria Roda-Viva, na Urca, RJ. Ao contrário do que o nome sugere, não era uma churrascaria com fumaça de gordura desafiando as nossas narinas, espetos passeando pelo salão, pessoas se empanturrando. Não, nada disto. Era um restaurante especializado em carnes, à la carte, colado à primeira estação do bondinho do Pão-de-Açúcar, pertinho da praia e rodeado de plantas e árvores – uma delas, frondosa, ficava dentro do restaurante. Havia até duas araras lindas, uma azul e outra vermelha, que faziam pose para fotos e, à noite, eram recolhidas para descansar. Algumas paredes não iam até o teto e a brisa do mar circulava livre e alegremente por toda a espaçosa casa. O teto sobre a pista de dança, em noites enluaradas, se abria para as estrelas. As caixas de som se concentravam na pista, tornando possível a conversa entre as pessoas que estavam nas mesas. Um luxo! A música ao vivo revezava com DJ. Do lado de fora, um amplo estacionamento ao ar livre onde podíamos ficar conversando sem medo. Este recanto da Urca era magnífico, um oásis dentro do Rio de Janeiro dos anos 70 e começo dos 80.
Nesta época, a música Festa do Interior (Moraes Moreira) era um dos hits do momento na voz de Gal Costa. Meu pai havia contratado uma nova cantora e pediu para que aprendesse a música, pois iriam tocá-la na noite de reveillón. Eu, muito fã da Gal, tinha a gravação e o ajudei, cantando sempre para guiá-lo enquanto escrevia o arranjo. Havia uma introdução com um belo naipe de sopros, ótima e com muitas notas, que deu um tremendo trabalho. Naquela época, ainda não existiam computadores e os arranjos eram feitos à mão: primeiro, se fazia uma grade (uma espécie de rascunho do arranjo para todos os instrumentos da banda ou orquestra) e, desta grade, se extraía cada partitura de cada instrumento, uma a uma, à mão. Era preciso ter paciência e tempo. E muito capricho para que os músicos pudessem entender o que estava escrito.
No dia 31 de dezembro, chegamos ao Roda (como era chamado pelos seus frequentadores) e esbarrei com a cantora no banheiro: - E aí? Já aprendeu a música?
- Não muito.
Pausa dramática.
- Como assim? Meu pai teve um trabalhão para escrever! Como vai ser?
- Na hora, sai.
Não, não iria sair. Fui até meu pai, não para fazer fofoca ou algo do gênero, mas com medo de que a irresponsabilidade de uma pessoa pudesse comprometer o trabalho de todo um grupo.
- Pai, dá uma passadinha na música com ela.
- Não precisa, minha filha. Ela disse que está tudo bem e as voltas do arranjo estão iguais às da gravação. Não tem problema, não.
- Pai, vai por mim, dá uma passadinha.
E eles foram para um anexo da casa que estava desativado. Voltou furioso, falando coisas impublicáveis. A cantora não sabia nem por onde começar. Foi quando perguntei, brincando, na certeza de que ouviria um sonoro não: - Você quer que eu cante? - Quero
Coitado. Acho que a raiva foi tão forte que o privou dos sentidos. Ele não deve ter se dado conta do que falou. - Quer mesmo?
- Quero.
E o baile começou. Quando ele me chamou, subi no palco como um bólido, antes que se arrependesse, peguei o microfone, esperei a introdução e comecei a cantar! Sabia a música de cor, de trás para frente, de frente para trás, em chinês, dinamarquês... Cantei! Sem técnica nenhuma. No tom da Gal. No peito e na raça! Se ficou bom, não sei. Só sei que me diverti pacas. E vi como era diferente cantar em casa e no palco: aqueles retornos de antigamente, barulhentos, uma banda com sopros, percussão, baixo, teclados (meu pai era praticamente uma ilha no meio de tantos teclados)... E também o barulho dos fregueses, da cozinha, dos garçons. Nossa, era muito diferente. Um choque. Estranho mesmo. Mas era muito bom!!! Eu estava deslumbrada, dançando, pulando e cantando, parecendo mais uma baiana em cima de um trio elétrico. E olha que nunca tinha visto uma baiana em cima de um trio elétrico. Depois que desci do palco, uma senhora me abraçou e disse, visivelmente emocionada: - Parabéns, minha filha! Gostei de ver! Que personalidade! Foi lá, arrancou o microfone da cantora e cantou! Gostei!
Não foi bem assim, mas era festa e eu, em pleno estado de graça, só queria dançar e saborear aquele momento! Na manhã seguinte, estava acordando e ouvi meus pais conversando na cozinha:
- Marta, nunca vi ninguém tão cara-de-pau! Eu não esperava que ela subisse mesmo no palco.
Não só subi no palco como gostei. Difícil agora será sair dele.
Três gravações discoteque dos anos 70: as duas primeiras com Waldir Calmon e sua orquestra, e a última com a Banda Idade Média, do maestro Cipó. Danza de los Sabres (Katchaturian) e Macareña (B. B. Monterde - Calero) estão no disco Discotheque (Copacabana, 1979), de Waldir Calmon, e SWAT Theme (Barry De Vorzon) está no compacto simples da RCA, 1977. O belíssimo solo de Macareña é do trompetista Hamilton e o baixo em SWAT Theme é de Tranka Oliveira. Disco Discotheque, de Waldir Calmon (Copacabana, 1979):
Viver
de música no Brasil é uma tarefa hercúlea. E não foi mais fácil para mim só
porque nasci em uma família de músicos. Nada disto. Costumo dizer que não
adianta ter talento se não há vocação, seja na música, na medicina, no comércio
ou em qualquer outra área. E você só descobre se tem vocação depois que passa
por certas coisas.
Cerca
de dois anos após a morte de meu pai, em 1982, nossa família montou a Orquestra Waldir Calmon com alguns
músicos que haviam trabalhado em seu conjunto. Ele raramente fazia bailes com a
orquestra, usando esta formação, na maioria das vezes, em gravações de discos.
Minha mãe, cantora quando solteira, ficou à frente do projeto e se tornou a,
digamos, primeira bandleader do sexo
feminino de que já ouvi falar.
Quando
os homens veem uma mulher jovem, bonita e inexperiente comandando um negócio
que pode gerar bons lucros, é complicado. E não foi diferente com minha mãe.
Eram muitos palpites infelizes, propostas indecentes e oportunistas de plantão,
mas, aos trancos e barrancos, conseguimos levar a pequena orquestra adiante.
No
segundo semestre de 1984, estreei na banda como “estagiária”, com um repertório
limitadíssimo e sem ganhar um tostão. Pouco tempo depois, comecei a receber um
pequeno cachê. Éramos duas cantoras e meia – eu (que estava lá somente para
aprender), minha mãe e uma outra, veterana, que vamos chamar aqui pelo fictício
nome de Maria. Pois bem, o marido de
Maria (vamos chamá-lo de João) se
auto-intitulava empresário e, com sua lábia envolvente, convenceu minha mãe a
dar-lhe exclusividade nas vendas de bailes. Hoje em dia, vejo como foi ingênua,
pois ele não apresentou uma prova sequer, nem um simples recorte de jornal, que
comprovasse a sua atuação como empresário.
Em
novembro de 1984, perguntei à minha mãe se havia algum trabalho agendado para o
dia doze de janeiro, sábado, pois eu queria comprar um ingresso para o primeiro
Rock in Rio e, comprando com
antecedência, tínhamos um ótimo desconto.
- Mãe, tem certeza de que não tem baile no
dia doze de janeiro? É um sábado.
- Tenho. - Então vou comprar o ingresso. Tem mesmo
certeza?
- Tenho. Pode comprar.
E
lá fui eu, feliz da vida porque iria assistir, em um único dia, Al Jarreau,
James Taylor, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Ivan Lins e George Benson - que havia
gravado, há pouco tempo, Dinorá Dinorá
(Lins – Martins). Eu estava em êxtase!
Lá
pelo dia três de janeiro, João, o maior empresário do Brasil, marcou um baile
para o dia doze de janeiro... Justamente no dia doze!!! Gelei. Ele e Maria
foram lá em casa combinar os detalhes. Estranhei, pois não vi contrato,
orçamentos para transporte, nada. Apenas uma data em uma folha de papel. Mas
estagiária não pode dar opinião...
- Não vou. Já comprei meu ingresso para o Rock in Rio.
E
João, o maior empresário do Brasil retrucou:
- Você tem que ir!
- Mas não faço falta. Só canto umas três
músicas.
- Você é uma mulher bonita e fica bem à
frente da orquestra.
Nesta
altura, eu já não sabia se chorava ou pulava no pescoço dele. Mas tentei
argumentar civilizadamente:
- Isto não faz a menor diferença para o
trabalho. Além do mais, perguntei à minha mãe antes de comprar o ingresso.
Indiretamente,
eu queria lembrá-lo de quem mandava realmente ali. Mas João, o maior empresário
do Brasil, foi irredutível:
- Se você não for ao baile, sai da banda.
Olhei
para minha mãe, afinal era ela que administrava aquilo tudo, e nada. Parecia
não entender que, quando lhe perguntei se poderia comprar o ingresso, estava
falando com a gestora e não com a mãe.
Quando
os dois foram embora, já sem argumentos, resolvi apelar para seu lado materno.
Quem sabe teria mais sorte?
- Mãe, eu perguntei antes de comprar e
você concordou. Você não pode permitir isto. Sou sua filha.
- Márcia, você é um membro da orquestra
como outro qualquer!
Desisti.
Não havia mais como convencê-la. Trabalhar com família é difícil e as coisas
frequentemente se confundem. Fiquei tão triste que nem quis vender o tíquete
para o Rock in Rio. Quis me desfazer
dele logo e dei para o meu irmão – mesmo sabendo que seria o único dia
desinteressante para um roqueiro. Pop-jazz não era sua praia.
- Toma. Faz o que quiser com ele.
- Legal! Vou vender para recuperar uma
parte do dinheiro que gastei.
E
vendeu. Para o melhor amigo - e sem desconto. O telefone tocou. Era a vítima:
- Márcia, se era para dar o ingresso, por
que não deu para mim ou vendeu por um preço menor? Eu já ia comprar mesmo.
- Poxa, desculpe. Fiquei com pena do
Marcus. Ele gastou muito dinheiro comprando tantos ingressos... Sabe como é,
né? Irmão...
Minha nossa! Aquilo estava parecendo um filme
de terror daqueles bem ruins do Ed Wood!
Chegou
o dia doze! Não havia transporte especial para os músicos e João, o maior
empresário do Brasil, comprou passagens em ônibus de carreira para toda a
banda. O trabalho era em Rio Bonito, cidade que fica a cerca de apenas 70 km do
centro do Rio de Janeiro. Nunca entendi por que não deram o dinheiro da
gasolina para que os próprios músicos se dividissem em alguns carros, pois não
era tão longe assim. Mas estagiária não dá opinião...
O
baile começou. Casa vazia!!! Como os próprios músicos dizem, tocamos para a
família Madeira: mesas e cadeiras - o trabalho havia sido fechado com pouquíssima
antecedência e não houve tempo para fazer a divulgação. Mesmo assim, a
orquestra se apresentou normalmente e foi um alívio quando acabou, pois nada
pior do que tocar para ninguém ou quase ninguém. E eu só lembrava de que
poderia estar me divertindo muito, naquele exato momento, com meus amigos em um
inesquecível show...
Quando
acabou, João, o maior empresário do Brasil, recebeu um cheque da contratante.
Músicos não gostavam desta forma de pagamento, pois geralmente só recebiam seus
cachês depois da compensação do cheque. Também não houve, como é de praxe, 50%
de adiantamento que, em caso de calote, cobririam despesas básicas, como
transporte, som, alimentação etc... Para completar, só haveria ônibus, na
pequena rodoviária de Rio Bonito, umas três horas depois. Ficamos vagando pela
cidade, em uma desagradável e quente madrugada de verão, sem rumo, e não
achamos um lugarzinho sequer para sentar e tomar uma água. Tudo fechado.
Chegando ao Rio, pegamos um taxi e o motorista, todo animado, começou: - Souberam do Rock in Rio ontem?
- O que aconteceu, moço? - Foi uma loucura! Os shows arrebentaram!
Na hora do James Taylor, cantaram e acenderam os isqueiros. Foi lindo! George
Benson e Ivan Lins cantaram juntos! Todo mundo só fala disto!
Senti
uma lágrima escorrendo, discreta, pelo meu rosto. Assim que cheguei em casa,
liguei para meu amigo (a vítima que comprou o ingresso de meu irmão, sem
desconto): - E aí? Como foi? - Maravilhoso! Só faltou você!
E
começou a contar. Liguei para outro amigo, do meu grupo da antiga escola: - E aí? Como foi?
- Maravilhoso! Só faltou você!
Todo
mundo que eu conhecia, com exceção de meu irmão, foi ao festival no dia doze!
Nunca imaginei que pudessem caber tantos sentimentos distintos e confusos, ao
mesmo tempo, dentro de uma quase cantora. Depois do prejuízo material, de não
conseguir assistir a meus ídolos em uma oportunidade única, de levar uma bronca
do amigo, de tocar para uma casa vazia, de vagar por uma cidade deserta, o que
mais poderia me acontecer?
- O cheque não tem fundos.
- O quê???!!! Como não tem fundos???!!! E
o contrato? Quando você fechou o trabalho não tomou precauções?
Não.
João, o maior empresário do Brasil, não pediu nenhuma garantia e ficou por isto
mesmo. Minha mãe pagou os músicos com o dinheiro do suado capital de giro da
orquestra.
-
Mãe, quero o meu cachê.
Eu ganhava pouco, mas era meu e já ajudaria a
minimizar o meu prejuízo material, ora.
- Como? Você vai me cobrar? Você é minha
filha! - Ué? Eu não sou um membro da orquestra
como outro qualquer?
- Que absurdo! A Maria e o João não me
cobraram!
- Mas é claro! Ele foi o irresponsável por
isto tudo! E ela é mulher dele! Eles até deveriam ajudar a orquestra a pagar os
músicos!
E
não recebi. Foi o único trabalho que João, o maior picareta do Brasil, fechou.
ÚNICO!
É.
Acho que vocação é quando a profissão que você escolheu mostra logo o seu lado
mais sombrio e, mesmo assim, você continua a amá-la...
No vídeo, uma das músicas que eu cantava na Orquestra Waldir Calmon na época do baile em Rio Bonito: Nada Mais (Stevie Wonder - Ronaldo Bastos). Infelizmente, não tenho nenhum registro gravado, mas os deixo com a maravilhosa voz de Gal Costa, ao vivo, no ano 2000.